segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Baba Yaga

Baba Yaga é uma Deusa diretamente associada à verdade que reside dentro de nós. Ela é a Iniciadora, a velha sábia que mora na recôndita floresta, numa insólita casa cercada de simbolismos arrebatadores, como cercas feitas de crânios, uma casa que se ergue e dança sobre enormes pés de galinha e uma Deusa que voa em um pilão.

Esta Deusa é por muitos vista como uma divindade intolerante, sem paciência, mal-humorada... Eu diria que é mal-compreendida. Quando Baba Yaga oferece destratos ao viajante que chega em sua cabana, ela é a Desafiadora, que nos obriga a entrar em contato com nosso eu mais profundo, mais verdadeiro, mais puro, sem medo. Tanto é que, em algumas versões de seu mito, Baba Yaga tem dentes de ferro, com os quais retira toda a nossa carne até que não sobre nada além de ossos. Ela faz isso porque é uma canibal sem coração? Claro que não. A grande maioria destes mitos que envolvem ossos ou Deusas que tratam de ossadas (La Huesera, La Loba, Baba Yaga dos Ossos e Pernas, a Trapeira) está na verdade fortemente associada com o poder simbólico do osso, aquilo que permanece após a nossa morte. 

As lendas em que Baba Yaga aparece como aquela que nos devora até os ossinhos na verdade estão retratando uma das mais importantes formas de contato com esta Deusa: retirar as "máscaras", as inverdades, as camadas em cima de camadas que nos envolvem, para que possamos renascer por completo, mais verdadeiramente, em contato com aquilo que realmente somos. Tanto é que um bom palpite para o significado das tradicionais matrioskas (aquelas bonequinhas russas que você abre para encontrar uma menor, que, ao ser aberta, contém outra réplica ainda menor, que contém outra, e assim por diante) reside na associação delas com Baba Yaga, onde perdemos nossas camadas pra descobrir a bonequinha, pequenininha, que existe lá no fundo. Baba Yaga é uma Deusa que nos permite morrer para renascer, e neste meio tempo encontrar a verdade que reside dentro de nós. E como nos antigos contos de fada, dizem alguns que só a pureza no coração nos permite encontrá-la. Tanto que algumas histórias antigas afirmam que Ela tem duas irmãs, iguaizinhas a Ela, inclusive também chamadas Baba Yaga. Adivinhe: só aqueles com a pureza de ideais descobrirão a verdadeira. Todos os outros, claro, serão jogados no caldeirão.
Cabe aqui abrir um parêntese nesse papo: quando falo sobre Baba Yaga com alguns, a resposta que ouço é "nossa! mas ela cozinha todo mundo no caldeirão!" - como se fosse uma Deusa meramente impiedosa. Mas veja: não podemos nos esquecer que a cultura desta divindade não acreditava que tudo acabasse com a morte. Como poderíamos pensar então que o ato de Baba Yaga não é uma forma de nos renovar, única e completamente?
Muitos afirmam que Baba Yaga é uma das fontes pra vários contos de fadas que conhecemos hoje, sendo todos provenientes de um mito privemo da Europa antiga. Ela é a própria bruxa da história de Joãozinho e Maria. Especula-se também que seja dela a história que, mais tarde, veio a originar o conto "A Bela e a Fera", uma vez que, em uma das histórias contadas sobre Ela, Baba Yaga era casada com um temível Urso, que só Ela era capaz de domar. Em outras variações de sua história, Baba Yaga pode ser também uma doce e graciosa avó, que agrada seus netinhos quando estes lembram-se de sua existência. Também existem algumas associações com uma espécie de Fada do Destino, chamada Dolya, que oferece boa ou má sorte - tudo depende de como você chegará a Ela, de como a encontrará. Ela é a Senhora de olhos faiscantes, que tudo perscrutam, tudo captam, tudo vêem. Ela nos conhece, e, por nos conhecer, nos quer verdadeiros, sem amarras, sem medo, sem ilusão. Ela assusta? Dizem que sim. Mas assusta também aquilo que nos assusta, e destrói também aquilo que nos destrói. Assim contam os povos eslavos de onde este mito foi retirado.

Baba Yaga é uma velha de aparência selvagem que mora no meio da floresta, está sempre mexendo o caldeirão e sabe de tudo. Ela assusta, pois quem a procura é obrigado a entrar na escuridão, a fazer perguntas perigosas, a deixar o mundo da lógica e do conforto.



Longe do convívio humano, Baba-Yaga tem o domínio pleno e solitário da floresta, suas árvores e as sombras, revelando-se como uma das manifestações do arquétipo feminino da Grande-Mãe, com quem, em última instância, todos buscam um consolo ou ajuda.
Na história de Vassalissa é ilustrativo seu diálogo com Yaga, a respeito dos três cavaleiros que a menina vira passar (o branco, o vermelho e o preto), quando se dirigia à cabana sobre pés-de-galinha. A velha responde que eles respectivamente são “meu dia, meu sol, minha noite”. Não poderia se expressar de outra maneira, não fosse a verdadeira senhora da passagem do tempo. “Podemos chamá-la de Grande Deusa da Natureza”, afirma Marie-Louise von Franz, mas “obviamente, com todos os esqueletos em volta de sua casa, ela é também a Deusa da Morte, que é um aspecto da natureza”. Baba-Yaga compreende igualmente os dois mistérios extremos da Vida, o nascimento (criação) e a morte (destruição)
Além de suas qualidades dóceis e férteis, o arquétipo da Grande-Mãe simboliza a destruição necessária para uma nova ordem.
Não cair em sua ira devoradora significa ter acesso aos conhecimentos dessa potestade arquetípica.



Quando, empenhado na busca, o primeiro jovem chegou tremendo à porta de sua cabana, Baba Yaga perguntou: “Você está aqui por conta própria ou foi mandado por alguém?” Como a família do jovem apoiava sua busca, ele respondeu: “Fui mandado pelo meu pai.” No mesmo instante, Baba Yaga o jogou no caldeirão e o cozinhou. A segunda pessoa a procurá-la, uma moça, viu o fogo crepitando e ouviu a risada de Baba Yaga. Novamente, Baba Yaga perguntou: “Você veio por conta própria ou foi mandada por alguém?” Essa jovem tinha ido para o bosque sozinha em busca do que encontrasse. “Vim por conta própria”, respondeu ela. Baba Yaga a atirou no caldeirão e a cozinhou também.

Mais tarde, um terceiro visitante, uma moça profundamente confusa diante do mundo, chegou à casa de Baba Yaga no meio da floresta. Ela viu a fumaça e percebeu o perigo. Baba Yaga a encarou: “Você veio aqui por conta própria ou foi mandada por outra pessoa?” A jovem respondeu com sinceridade: “Em parte vim por conta própria, mas em parte vim por causa de outras pessoas. Em parte vim porque você está aqui, por causa da floresta e por causa de alguma outra coisa que esqueci. E em parte nem sei por que vim.” Baba Yaga ficou olhando para ela por um momento e disse: “Você serve.” E a convidou para entrar na cabana. 

2 comentários:

  1. Agradeço muito. Muito Amor pra você e um eterno renascer, cada vez melhor. Que muitos possam se beneficiar conhecendo um pouco mais deste poderoso arquétipo.

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