Dia de HECATE
O dia 13 de agosto era uma data importante no
antigo calendário greco-romano, dedicada às celebrações
das deusas Hécate e Diana, quando Lhes eram pedidas
bênçãos de proteção para evitar as tempestades do verão
europeu que prejudicassem as colheitas. Na tradição cristã
comemora-se no dia 15 de agosto a Ascensão da Virgem
Maria, festa sobreposta sobre as antigas festividades pagãs
para apagar sua lembrança, mas com a mesma finalidade:
pedir e receber proteção. Com o passar do tempo, perdeuse
o seu real significado e origem e preservou-se apenas o
medo incutido pela igreja cristã em relação ao nome e
atuação de Hécate. Esta poderosa Deusa com múltiplos
atributos foi considerada um ser maléfico,
regente das sombras e fantasmas, que trazia
tempestades, pesadelos, morte e destruição,
exigindo dos seus adoradores sacrifícios
lúgubres e r i tos macabros. Para
desmistificar as distorções patriarcais e
cristãs e contribuir para a revelação das
verdades milenares, segue um relato dos
aspectos, atributos e poderes da deusa
Hécate.
Hécate é uma antiga deusa de mitos
mi lenares pré-helênicos, cul tuada
originariamente na Trácia como a
representação arcaica da Deusa Tríplice; ela
era associada com a noite, lua negra, magia,
profecias, cura e os mistérios da morte,
renovação e nascimento. Algumas fontes
atribuem a origem do nome à palavra egípcia
hekat ou hequit que significaria "Todo o
poder", já que supostamente o arquétipo de
Hécate teria se originado em mitos do
sudoeste asiático que foram assimilados no
panteão egípcio e mais tarde passados para a
religião greco-romana. Hequit era a
manifestação da Grande Mãe originária de Núbia e Colchis,
regente dos partos, das mulheres e crianças, da magia, da
sabedoria dos ciclos da vegetação e da vida. O termo heq ou
hek designava as mulheres idosas e sábias, as matriarcas
das tribos.
Os gregos tiveram dificuldades para enquadrá-la
em seu esquema de divindades, mas acabaram
considerando-a filha dos Titãs Perseu e Astéria (irmã de
Leto, a mãe de Ártemis e Apolo), sendo, portanto, prima de
Ártemis. Por ser filha de Titãs estelares, regentes da luz,
Hécate usava uma tiara de estrelas que iluminava os
escuros caminhos da noite, bem como a vastidão da
escuridão interior. Mitos mais antigos lhe atribuíram uma
origem mais primal, como filha de Erebo e Nix e ela era
conhecida como Afratos, “A sem nome” e Pandeina, “A
terrível”.Como a única Titã que preservou seu pleno poder,
Hécate era honrada como "A primeira e a ulltima" , "Aquela
As dádivas da Deusa Hécate
sem forma e de todas as formas", a própria alma do universo,
Criadora de tudo que existia. Como neta de Febe, uma Titã que
personificava a Lua e de Nyx, a deusa ancestral da noite, Hécate
também era uma “Rainha da Noite” tendo o domínio do céu, da
Lua, das marés e sendo indutora dos sonhos e dos pesadelos.
Neste aspecto ela levava sobre a testa o crescente lunar (a tiara
chamada de pollos), uma ou duas tochas nas mãos e serpentes
enroladas no seu pescoço. Acreditava-se que Hécate fora outrora
uma das Erínias, pois seus símbolos são idênticos (tochas,
serpentes, sombras, etc). Também já foi citada como uma das
Moiras, pois tanto Hécate, quanto sua filha Circe, podiam intervir
nos fios do Destino.
Sua verdadeira origem permanece bastante misteriosa,
caracterizada mais pelas suas funções e os seus atributos do que
pelas lendas em que aparece.Os mitos gregos relatam que Zeus
lhe concedeu um lugar especial entre os deuses, embora ela não
pertencesse ao grupo olímpico, mas aos Titãs e respeitou seu
antigo poder de dar ou negar suas dádivas aos mortais. Hécate
ficou conhecida como Hécate Trivia ou Triformis, a
regente do céu, da terra, do mar e do mundo
subterrâneo, doadora da riqueza e das bênçãos da
vida cotidiana. Na esfera humana ela presidia os
três grandes mistérios: nascimento, vida, morte e
regia o poder de transformação e regeneração. Por
ter uma origem muito antiga e cuja essência e
significado foram se modificando com o passar do
tempo, ela foi equiparada com outras deusas e
delas assimilou e incorporou atributos e mitos, o
que explica a grande diversidade de nomes e dons
atribuídos a Hécate.
Hécate espalhava para todos os homens a sua
benevolência, concedendo as graças para os que
lhe pediam como: a prosperidade material, o dom
da eloquência nas políticas, a vitória tanto nas
batalhas, quanto nos jogos. Proporcionava peixe
abundante aos pescadores, fazia prosperar ou
definhar o gado conforme queria. Os seus
privilégios estendiam-se a todos os campos ao
invés de se limitar a alguns como era, em geral,
com as outras divindades. Hécate era invocada
particularmente como a "deusa que nutria a
juventude”, em pé de igualdade com os gêmeos Ártemis e Apolo e
como a protetora das crianças, sendo também enfermeira,
parteira e curandeira de jovens e de mulheres.
Hécate, em grego, significa “A distante” ou “A remota”, por
proteger os lugares ermos e remotos, sendo a guardiã das
estradas, dos viajantes, pescadores, marinheiros e dos caminhos,
principalmente das encruzilhas onde convergiam três caminhos.
Nestes locais, os gregos percebiam melhor a presença de Hécate,
por isso lhe ergueram estátuas tricéfalas chamadas Hecaterion e
deixavam oferendas dos seus alimentos ritualísticos, as famosas
“ceias de Hécate”. Acredita-se que o termo Hecatéias atribuído às
estátuas, na realidade designava as sacerdotisas oraculares que
serviam nestes locais. Os dias dedicados á Hécate eram o fim do
mês, as sextas feiras (principalmente se fossem nos dias treze), os
eclipses, 13 de agosto e 16 de novembro. Atualmente grupos neopagãos
a reverenciam no sabbat Samhain, na “Noite das
ancestrais” e no Dia dos Finados.
Antigamente, as mulheres que a cultuavam pintavam
suas mãos e pés com hena e colocavam o símbolo da lua
tríplice nas suas testas. Nos tempos antigos faziam-se
sacrifícios de animais de cor negra como cachorros, carneiros
ou aves. Todos os animais selvagens e as aves noturnas eram
consagrados a Hécate, o que aponta para a sua descendência
do arquétipo neolítico da "Senhora dos Animais" e a sua
manifestação arcaica como o “cão da lua”. A sua aparição era
assinalada pelo latido dos cachorros, o uivo dos lobos e o
farfalhar das corujas e morcegos. As oferendas feitas pelas
mulheres incluíam maçãs e romãs (representando a morte e o
renascimento), alho (proteção contra as energias negativas),
mel (para atrair doçura), azeite (para fluir melhor com a vida),
vinho (como gratidão) e bolos de centeio com sementes de
papoulas (para propiciar prosperidade).
Como descrição simbólica da natureza tríplice da
Deusa, Hécate era representada como três mulheres juntas
porém cada uma virada para uma direção, uma figura com
três cabeças e seis braços portando tochas ou com cabeças
características de animais como cão, serpente e leão ou leão,
serpente e cavalo. Ela transmitia o poder de olhar para três
direcções ao mesmo tempo e sugeria que algo no passado
estava ligado com o presente e influenciando planos futuros.
As três faces passaram a simbolizar seu poder sobre: o mundo
subterrâneo, onde morava, ajudando à deusa Perséfone a
julgar os mortos, a terra, onde rondava nas luas novase nas
noites escuras e o mar, onde tinha seus
casos de amor. Esse tríplice poder de
Hécate é comparável ao seu tríplice
domínio sobre o mar, a terra e o céu.
Seus símbolos eram a chave, por ela ser
a Guardiã do mundo subterrâneo, o
chicote ou a corda trançada, que
revelava o seu lado punitivo e seu papel
de Condutora das "almas errantes"
(psicopompo) e o seu punhal,
representando seu poder mágico e
transformado depois no athame das
feiticeiras e bruxas. A sua morada era
nas grutas e cavernas e ela
perambulava pelos cemitérios à
procura das "almas errantes" para
conduzi-las ao seu reino subterrâneo.
Suas acompanhantes eram as Erinias
ou Fúrias (as deusas que puniam os
transgressores das leis e os que
ofendiam as mães) , Empusas
(espectros), Circe, Medeia e Silla
(feiticeiras), Cercopsis (espíritos
zombeteiros) e Mormo (mortos vivos),
que constituíam uma legião noturna
acompanhada na sua passagem -
durante as tempestades ou nas noites
escuras-, do latido ou uivo dos cães. Os
deuses companheiros eram: Hermes
(protetor dos viajantes e condutor das almas), Tanatos (morte),
Hipnos (sono) e Morfeu (sonhos). Pouco a pouco, a deusa
Hécate adquiriu uma caracterização diversa, sendo
considerada como uma Deusa Escura, que presidia a magia e
os feitiços, ligada ao mundo das sombras e que aparecia aos
magos e às feiticeiras com um archote em cada mão, ou sob a
forma de diversos animais: égua, cadela, coruja ou loba. É a
ela que foi atribuida a invenção da feitiçaria, e a lenda
incorporou-a na família das magas por excelência: Circe e
Medéia, Circe sendo filha de Hécate e ora mãe, ora tia de
Medéia.
Desde épocas primevas, antes do patriarcado se ter
estabelecido, Hécate era vinculada com o lado escuro da Lua,
mas a sua presença era percebida e honrada nas três fases da
Lua. A Lua na verdade não tem luz própria, é um astro escuro
que apenas reflete a luz solar. A Lua cheia é a Lua vista pela luz
do Sol, a Lua nova e negra é a verdadeira face da Lua. Hécate
era considerada como fazendo parte de uma triplicidade lunar:
Ártemis, a lua crescente, Selene, a lua cheia e Hécate a lua
minguante e negra; ou como as forças da Lua em vários reinos:
Ártemis na terra, Selene no céu e Hécate no mundo
subterrâneo. No ciclo das estações e das fases da vida feminina
Hécate formava uma tríade divina juntamente com:
Kore/Perséfone/Proserpina/Hebe, que presidiam a
primavera, fertilidade e juventude, Deméter/Ceres/Hera, as
regentes da maturidade, gestação, parto e colheita.
É fácil perceber o entrelaçamento entre o claro e o
escuro da Lua, pois o lado visível da Lua, o aspecto de Ártemis,
que reflete o pulsar da vida, é ligado com o lado oculto,
sombrio, o inconsciente representado por Hécate. Dentro do
mundo subterrâneo - representado pelo ventre fértil da terra -,
a vida e a morte coexistem em um mesmo processo cíclico, em
que o “ser” e o “não ser” vivem juntos, sem conflito. A conexão
com Hécate nos revela os sonhos guardados, os desejos
ocultos, os segredos do inconsciente e revela o potencial
latente para a fertilização de novas possibilidades. Por isso
Hécate é vista como uma guia no reino oculto da alma e
invocada nas terapias de regressão, renascimento e e nos
rituais de transmutação de medos, fobias, apegos e culpas.
Na sua manifestação como ”Senhora das encruzilhadas” - dos
caminhos e da vida - e do mundo subterrâneo, Hécate é um
arquétipo primordial do inconsciente pessoal e coletivo, que
nos permite o acesso às camadas profundas da memória
ancestral. É representada no plano humano pelo xamã que se
movimenta entre os mundos, pela vidente que olha para
passado, presente e futuro e pela curadora que transpõe as
pontes entre os mundos e traz comunicações espirituais para a
cura e regeneração dos seus semelhantes. Ela rege os
processos misteriosos do ciclo do “eterno retorno”, a vida, a
morte e o renascimento sendo entrelaçados no processo
alquímico da transmutação.
Devido à sua natureza multiforme e
misteriosa e à ligação com os poderes
femininos “escuros”, as interpretações
patriarcais distorceram o simbolismo
antigo desta deusa protetora das
mulheres e enfatizaram seus poderes
destrutivos ligados à magia negra (com
sacrifícios de animais pretos nas noites
de lua negra) e aos ritos funerários. O
desenvolvimento no período clássico da
sociedade patriarcal deu origem a uma
visão dualista das forças espirituais,
vistas em um perpetuo embate entre as
positivas e negativas, o bem e o mal.
Hécate tornou-se o alvo predileto da
personificação do mal e foi recebendo
uma aura de perigo misterioso, de
horror e negatividade demoníaca. Ela
foi transformada na “Rainha das
bruxas”, responsável por atos de
maldade, missas negras, desgraças,
tempestades, mortes de animais, perda
das colheitas e atos satânicos. A
percepção distorcida dos atributos de
Hécate foi consolidada na psique
ocidental durante o período medieval,
quando a igreja cristã projetou este
arquétipo nas pessoas pagãs do campo,
que seguiam seus antigos costumes e
rituais ligados á fertilidade, declaradas “malévolas adoradoras
do demônio”, bandos de bruxas praticantes de ritos e
cerimônias abomináveis nas noites escuras e em certas datas.
Estas invenções tendenciosas levaram à perseguição, tortura e
morte pela Inquisição de milhares de “protegidas de Hécate”
como as curandeiras, parteiras e videntes, mulheres
“suspeitas” de serem Suas seguidoras e os animais a Ela
associados (cachorros e gatos pretos, corujas). No intuito de
abolir qualquer resquício do Seu poder, Hécate foi
caricaturada pela tradição patriarcal como uma bruxa
perigosa e hostil, à espreita nas encruzilhadas nas noites
escuras, buscando e caçando almas perdidas e viajantes com
sua matilha de cães pretos, levando-os para o escuro reino das
sombras vampirizadoras e castigando os homens com
pesadelos, poluções noturnas e perda da virilidade. As
imagens horrendas e chocantes são projeções dos medos
inconscientes masculinos perante os poderes “escuros” da
Deusa, padroeira da independência feminina, defensora
contra as violências e opressões das mulheres e regente dos
seus rituais de proteção, transformação, autodefesa e
afirmação.
Os treze aspectos de Hécate
1. Chtonia, a anciã senhora do mundo subterrâneo
2. Cratais, a poderosa
3. Enodia, a guardiã dos caminhos e viagens
5. Kourotrophos, a guardiã dos nascimentos e das
crianças
6. Phosphoros, a detentora da tocha que ilumina
7. Propolos, a guia e companheira que conduz
8. Propylaia, a protetora das portas e entradas
9. Prothiraia, a parteira e protetora dos partos
10. Prytania, a rainha dos mortos
11. Soteira, a salvadora e redentora
12. Trivia ou Trioditis, a senhora das
encruzilhadas
13. Trimorphis, a deusa tríplice, com três formas
Hécate Triformis como “Senhora da magia” confere
o conhecimento dos encantamentos, palavras de poder,
poções, rituais e adivinhações àqueles que A cultuam. No
aspecto de Antea, a “Guardiã dos sonhos e das visões”,
tanto pode enviar visões proféticas, quanto alucinações e
pesadelos, se as brechas individuais permitirem. Como
Prytania, a “Rainha dos mortos”, Hécate é a condutora das
almas e sua guardiã durante a passagem entre os mundos,
mas Ela também rege os poderes de regeneração, sendo
invocada no desencarne e nos nascimentos como
Protyraia, para garantir proteção e segurança no
parto, vida longa, saúde e boa sorte. Hécate
Kourotrophos cuida das crianças durante a vida
intrauterina e no seu nascimento, assim como
fazia sua antecessora egípcia, a parteira divina
Hequit. Possuidora de uma aura fosforescente
que brilhava na escuridão do mundo
subterrâneo, Hécate Phosphoros é a guardiã do
inconsciente e guia das almas na transição,
enquanto as duas tochas de Hécate Propolos,
apontadas para o céu e a terra, iluminam a busca
da transformação espiritual e o renascimento,
orientado por Soteira, a "Salvadora". O seu
aspecto Chtonia é da deusa anciã, detentora de
sabedoria, padroeira do inverno, da velhice e das
profundezas da terra. Hécate Trivia e Trioditis,
protetoras dos viajantes e guardiãs das
encruzilhadas de três caminhos, recebiam dos
Seus adeptos pedidos de proteção e as oferendas
chamadas “ceias de Hécate”. Propylaia era reverenciada
como guardiã das casas, portas, famílias e bens pelas
mulheres, que oravam na frente do altar antes de sair de
casa, pedindo sua benção. As imagens antigas colocadas
nas encruzilhadas ou na porta das casas representavam
Hécate Triformis ou Tricephalus como um pilar ou estátua
com três cabeças e seis braços que seguravam suas
insígnias: tocha (para iluminar o caminho), chave (abria os
mistérios), corda (conduzia as almas e reproduzia o cordão
umbilical do nascimento), foice (para cortar ilusões e
medos).
No atual renascimento das antigas tradições da
Deusa, compete aos círculos sagrados femininos resgatar
as verdades milenares, descartando e desmascarando
imagens e falsas lendas, que apenas encobrem o arcaico
medo patriarcal perante a força mágica e o poder ancestral
feminino e que podia levar as mulheres a desenvolver um
sentido de independência perante o masculino. A
civilização patriarcal incutiu um medo secular nas
mulheres perante a figura distorcida de Hécate, vista como
uma bruxa terrível, malévola e perigosa. Mas, se
resgatarmos as suas qualidades e atributos antigos,
encontraremos nela uma gentil guardiã e compassiva mestra. Ela
está presente em todas as encruzilhadas tríplices que existem em
todos os níveis do nosso ser representados como espírito, mente e
corpo. Devemos reconhecer que a imagem tenebrosa e
ameaçadora de Hécate é um mero registro do medo inconsciente
do feminino que os homens, imersos e programados por conceitos
e valores patriarcais unilaterais, projetaram ao longo de milênios
neste arquétipo.
Temos que mergulhar no lado sombrio do nosso inconsciente,
compreendê-lo e aceitá-lo integrando-o na nossa psique. Pois, se
o evitarmos, criaremos ou reforçaremos a dualidade polarizada
em opostos e energias antagônicas e continuaremos perpetuando
a visão dualista do mundo. Devemos descobrir e nos relacionar
com a nossa Hécate interior, como a Guardiã da nossa
consciência, do nosso lado sombrio e, ao estabelecer uma relação
com ela, confiar na sua proteção, ajuda e orientação. Somente
assim permitiremos uma melhor percepção das riquezas e
possibilidades do nosso mundo inferior pessoal, nos tornando
seres integrados, capazes de lidar com as nossas polaridades,
sem projetar de imediatos conceitos dualistas do “bem” e “mal”
nos eventos e nas pessoas.
Atualmente podemos nos relacionar com
Hécate sem preconceito ou medo, honrando-a como
Guardiã do nosso inconsciente, que tem nas mãos a
chave dos reinos sombrios existentes em nós e que traz
a tocha para iluminar as profundezas do nosso ser
interior. Em função das nossas próprias memórias de
repressão e dos medos impregnados no inconsciente
coletivo, o contato com a Deusa Escura pode ser
atemorizador por acessar a programação negativa que
associa escuridão com mal, perigo, morte. Para
resgatar as qualidades regeneradoras, fortalecedoras e
curadoras de Hécate precisamos reconhecer que as
imagens destorcidas não são reais, nem verdadeiras,
que nos foram incutidas pela proibição de mergulhar
no nosso inconsciente, descobrir e usar nosso
verdadeiro poder.
A conexão com Hécate representa para nós um
valioso e poderoso meio para acessar a intuição e o
conhecimento inato, desvendar e curar nossos
processos psíquicos, aceitar a passagem inexorável do tempo e
transmutar nossos medos perante o envelhecimento e a morte.
Hécate nos ensina que o caminho que leva à visão sagrada e que
inspira a renovação passa pela escuridão, o desapego e
transmutação. Ela detém a chave que abre a porta dos mistérios e
do lado oculto da psique; Sua tocha ilumina tanto as riquezas,
quanto os terrores do inconsciente, que precisam ser
reconhecidos e transmutados. Ela nos conduz pelas armadilhas
da escuridão e nos revela o caminho da renovação e salvação.
Porém, para receber Seus dons visionários, criativos ou
proféticos, precisamos mergulhar nas profundezas do nosso
mundo interior, encarar o reflexo da Deusa Escura dentro de nós,
honrando Seu poder e Lhe entregando a guarda do nosso
inconsciente.
Ao reconhecermos e integrarmos Sua presença em nós,
Ela irá nos guiar nos processos psicológicos e espirituais e no
eterno ciclo de morte e renovação. Porém, devemos sacrificar ou
deixar morrer o velho, encarar e superar medos e limitações;
somente assim poderemos flutuar sobre as escuras e revoltas
águas dos nossos conflitos e lembranças dolorosas e emergir
livres e leves para um novo ciclo.
O dia 13 de agosto era uma data importante no
antigo calendário greco-romano, dedicada às celebrações
das deusas Hécate e Diana, quando Lhes eram pedidas
bênçãos de proteção para evitar as tempestades do verão
europeu que prejudicassem as colheitas. Na tradição cristã
comemora-se no dia 15 de agosto a Ascensão da Virgem
Maria, festa sobreposta sobre as antigas festividades pagãs
para apagar sua lembrança, mas com a mesma finalidade:
pedir e receber proteção. Com o passar do tempo, perdeuse
o seu real significado e origem e preservou-se apenas o
medo incutido pela igreja cristã em relação ao nome e
atuação de Hécate. Esta poderosa Deusa com múltiplos
atributos foi considerada um ser maléfico,
regente das sombras e fantasmas, que trazia
tempestades, pesadelos, morte e destruição,
exigindo dos seus adoradores sacrifícios
lúgubres e r i tos macabros. Para
desmistificar as distorções patriarcais e
cristãs e contribuir para a revelação das
verdades milenares, segue um relato dos
aspectos, atributos e poderes da deusa
Hécate.
Hécate é uma antiga deusa de mitos
mi lenares pré-helênicos, cul tuada
originariamente na Trácia como a
representação arcaica da Deusa Tríplice; ela
era associada com a noite, lua negra, magia,
profecias, cura e os mistérios da morte,
renovação e nascimento. Algumas fontes
atribuem a origem do nome à palavra egípcia
hekat ou hequit que significaria "Todo o
poder", já que supostamente o arquétipo de
Hécate teria se originado em mitos do
sudoeste asiático que foram assimilados no
panteão egípcio e mais tarde passados para a
religião greco-romana. Hequit era a
manifestação da Grande Mãe originária de Núbia e Colchis,
regente dos partos, das mulheres e crianças, da magia, da
sabedoria dos ciclos da vegetação e da vida. O termo heq ou
hek designava as mulheres idosas e sábias, as matriarcas
das tribos.
Os gregos tiveram dificuldades para enquadrá-la
em seu esquema de divindades, mas acabaram
considerando-a filha dos Titãs Perseu e Astéria (irmã de
Leto, a mãe de Ártemis e Apolo), sendo, portanto, prima de
Ártemis. Por ser filha de Titãs estelares, regentes da luz,
Hécate usava uma tiara de estrelas que iluminava os
escuros caminhos da noite, bem como a vastidão da
escuridão interior. Mitos mais antigos lhe atribuíram uma
origem mais primal, como filha de Erebo e Nix e ela era
conhecida como Afratos, “A sem nome” e Pandeina, “A
terrível”.Como a única Titã que preservou seu pleno poder,
Hécate era honrada como "A primeira e a ulltima" , "Aquela
As dádivas da Deusa Hécate
sem forma e de todas as formas", a própria alma do universo,
Criadora de tudo que existia. Como neta de Febe, uma Titã que
personificava a Lua e de Nyx, a deusa ancestral da noite, Hécate
também era uma “Rainha da Noite” tendo o domínio do céu, da
Lua, das marés e sendo indutora dos sonhos e dos pesadelos.
Neste aspecto ela levava sobre a testa o crescente lunar (a tiara
chamada de pollos), uma ou duas tochas nas mãos e serpentes
enroladas no seu pescoço. Acreditava-se que Hécate fora outrora
uma das Erínias, pois seus símbolos são idênticos (tochas,
serpentes, sombras, etc). Também já foi citada como uma das
Moiras, pois tanto Hécate, quanto sua filha Circe, podiam intervir
nos fios do Destino.
Sua verdadeira origem permanece bastante misteriosa,
caracterizada mais pelas suas funções e os seus atributos do que
pelas lendas em que aparece.Os mitos gregos relatam que Zeus
lhe concedeu um lugar especial entre os deuses, embora ela não
pertencesse ao grupo olímpico, mas aos Titãs e respeitou seu
antigo poder de dar ou negar suas dádivas aos mortais. Hécate
ficou conhecida como Hécate Trivia ou Triformis, a
regente do céu, da terra, do mar e do mundo
subterrâneo, doadora da riqueza e das bênçãos da
vida cotidiana. Na esfera humana ela presidia os
três grandes mistérios: nascimento, vida, morte e
regia o poder de transformação e regeneração. Por
ter uma origem muito antiga e cuja essência e
significado foram se modificando com o passar do
tempo, ela foi equiparada com outras deusas e
delas assimilou e incorporou atributos e mitos, o
que explica a grande diversidade de nomes e dons
atribuídos a Hécate.
Hécate espalhava para todos os homens a sua
benevolência, concedendo as graças para os que
lhe pediam como: a prosperidade material, o dom
da eloquência nas políticas, a vitória tanto nas
batalhas, quanto nos jogos. Proporcionava peixe
abundante aos pescadores, fazia prosperar ou
definhar o gado conforme queria. Os seus
privilégios estendiam-se a todos os campos ao
invés de se limitar a alguns como era, em geral,
com as outras divindades. Hécate era invocada
particularmente como a "deusa que nutria a
juventude”, em pé de igualdade com os gêmeos Ártemis e Apolo e
como a protetora das crianças, sendo também enfermeira,
parteira e curandeira de jovens e de mulheres.
Hécate, em grego, significa “A distante” ou “A remota”, por
proteger os lugares ermos e remotos, sendo a guardiã das
estradas, dos viajantes, pescadores, marinheiros e dos caminhos,
principalmente das encruzilhas onde convergiam três caminhos.
Nestes locais, os gregos percebiam melhor a presença de Hécate,
por isso lhe ergueram estátuas tricéfalas chamadas Hecaterion e
deixavam oferendas dos seus alimentos ritualísticos, as famosas
“ceias de Hécate”. Acredita-se que o termo Hecatéias atribuído às
estátuas, na realidade designava as sacerdotisas oraculares que
serviam nestes locais. Os dias dedicados á Hécate eram o fim do
mês, as sextas feiras (principalmente se fossem nos dias treze), os
eclipses, 13 de agosto e 16 de novembro. Atualmente grupos neopagãos
a reverenciam no sabbat Samhain, na “Noite das
ancestrais” e no Dia dos Finados.
Antigamente, as mulheres que a cultuavam pintavam
suas mãos e pés com hena e colocavam o símbolo da lua
tríplice nas suas testas. Nos tempos antigos faziam-se
sacrifícios de animais de cor negra como cachorros, carneiros
ou aves. Todos os animais selvagens e as aves noturnas eram
consagrados a Hécate, o que aponta para a sua descendência
do arquétipo neolítico da "Senhora dos Animais" e a sua
manifestação arcaica como o “cão da lua”. A sua aparição era
assinalada pelo latido dos cachorros, o uivo dos lobos e o
farfalhar das corujas e morcegos. As oferendas feitas pelas
mulheres incluíam maçãs e romãs (representando a morte e o
renascimento), alho (proteção contra as energias negativas),
mel (para atrair doçura), azeite (para fluir melhor com a vida),
vinho (como gratidão) e bolos de centeio com sementes de
papoulas (para propiciar prosperidade).
Como descrição simbólica da natureza tríplice da
Deusa, Hécate era representada como três mulheres juntas
porém cada uma virada para uma direção, uma figura com
três cabeças e seis braços portando tochas ou com cabeças
características de animais como cão, serpente e leão ou leão,
serpente e cavalo. Ela transmitia o poder de olhar para três
direcções ao mesmo tempo e sugeria que algo no passado
estava ligado com o presente e influenciando planos futuros.
As três faces passaram a simbolizar seu poder sobre: o mundo
subterrâneo, onde morava, ajudando à deusa Perséfone a
julgar os mortos, a terra, onde rondava nas luas novase nas
noites escuras e o mar, onde tinha seus
casos de amor. Esse tríplice poder de
Hécate é comparável ao seu tríplice
domínio sobre o mar, a terra e o céu.
Seus símbolos eram a chave, por ela ser
a Guardiã do mundo subterrâneo, o
chicote ou a corda trançada, que
revelava o seu lado punitivo e seu papel
de Condutora das "almas errantes"
(psicopompo) e o seu punhal,
representando seu poder mágico e
transformado depois no athame das
feiticeiras e bruxas. A sua morada era
nas grutas e cavernas e ela
perambulava pelos cemitérios à
procura das "almas errantes" para
conduzi-las ao seu reino subterrâneo.
Suas acompanhantes eram as Erinias
ou Fúrias (as deusas que puniam os
transgressores das leis e os que
ofendiam as mães) , Empusas
(espectros), Circe, Medeia e Silla
(feiticeiras), Cercopsis (espíritos
zombeteiros) e Mormo (mortos vivos),
que constituíam uma legião noturna
acompanhada na sua passagem -
durante as tempestades ou nas noites
escuras-, do latido ou uivo dos cães. Os
deuses companheiros eram: Hermes
(protetor dos viajantes e condutor das almas), Tanatos (morte),
Hipnos (sono) e Morfeu (sonhos). Pouco a pouco, a deusa
Hécate adquiriu uma caracterização diversa, sendo
considerada como uma Deusa Escura, que presidia a magia e
os feitiços, ligada ao mundo das sombras e que aparecia aos
magos e às feiticeiras com um archote em cada mão, ou sob a
forma de diversos animais: égua, cadela, coruja ou loba. É a
ela que foi atribuida a invenção da feitiçaria, e a lenda
incorporou-a na família das magas por excelência: Circe e
Medéia, Circe sendo filha de Hécate e ora mãe, ora tia de
Medéia.
Desde épocas primevas, antes do patriarcado se ter
estabelecido, Hécate era vinculada com o lado escuro da Lua,
mas a sua presença era percebida e honrada nas três fases da
Lua. A Lua na verdade não tem luz própria, é um astro escuro
que apenas reflete a luz solar. A Lua cheia é a Lua vista pela luz
do Sol, a Lua nova e negra é a verdadeira face da Lua. Hécate
era considerada como fazendo parte de uma triplicidade lunar:
Ártemis, a lua crescente, Selene, a lua cheia e Hécate a lua
minguante e negra; ou como as forças da Lua em vários reinos:
Ártemis na terra, Selene no céu e Hécate no mundo
subterrâneo. No ciclo das estações e das fases da vida feminina
Hécate formava uma tríade divina juntamente com:
Kore/Perséfone/Proserpina/Hebe, que presidiam a
primavera, fertilidade e juventude, Deméter/Ceres/Hera, as
regentes da maturidade, gestação, parto e colheita.
É fácil perceber o entrelaçamento entre o claro e o
escuro da Lua, pois o lado visível da Lua, o aspecto de Ártemis,
que reflete o pulsar da vida, é ligado com o lado oculto,
sombrio, o inconsciente representado por Hécate. Dentro do
mundo subterrâneo - representado pelo ventre fértil da terra -,
a vida e a morte coexistem em um mesmo processo cíclico, em
que o “ser” e o “não ser” vivem juntos, sem conflito. A conexão
com Hécate nos revela os sonhos guardados, os desejos
ocultos, os segredos do inconsciente e revela o potencial
latente para a fertilização de novas possibilidades. Por isso
Hécate é vista como uma guia no reino oculto da alma e
invocada nas terapias de regressão, renascimento e e nos
rituais de transmutação de medos, fobias, apegos e culpas.
Na sua manifestação como ”Senhora das encruzilhadas” - dos
caminhos e da vida - e do mundo subterrâneo, Hécate é um
arquétipo primordial do inconsciente pessoal e coletivo, que
nos permite o acesso às camadas profundas da memória
ancestral. É representada no plano humano pelo xamã que se
movimenta entre os mundos, pela vidente que olha para
passado, presente e futuro e pela curadora que transpõe as
pontes entre os mundos e traz comunicações espirituais para a
cura e regeneração dos seus semelhantes. Ela rege os
processos misteriosos do ciclo do “eterno retorno”, a vida, a
morte e o renascimento sendo entrelaçados no processo
alquímico da transmutação.
Devido à sua natureza multiforme e
misteriosa e à ligação com os poderes
femininos “escuros”, as interpretações
patriarcais distorceram o simbolismo
antigo desta deusa protetora das
mulheres e enfatizaram seus poderes
destrutivos ligados à magia negra (com
sacrifícios de animais pretos nas noites
de lua negra) e aos ritos funerários. O
desenvolvimento no período clássico da
sociedade patriarcal deu origem a uma
visão dualista das forças espirituais,
vistas em um perpetuo embate entre as
positivas e negativas, o bem e o mal.
Hécate tornou-se o alvo predileto da
personificação do mal e foi recebendo
uma aura de perigo misterioso, de
horror e negatividade demoníaca. Ela
foi transformada na “Rainha das
bruxas”, responsável por atos de
maldade, missas negras, desgraças,
tempestades, mortes de animais, perda
das colheitas e atos satânicos. A
percepção distorcida dos atributos de
Hécate foi consolidada na psique
ocidental durante o período medieval,
quando a igreja cristã projetou este
arquétipo nas pessoas pagãs do campo,
que seguiam seus antigos costumes e
rituais ligados á fertilidade, declaradas “malévolas adoradoras
do demônio”, bandos de bruxas praticantes de ritos e
cerimônias abomináveis nas noites escuras e em certas datas.
Estas invenções tendenciosas levaram à perseguição, tortura e
morte pela Inquisição de milhares de “protegidas de Hécate”
como as curandeiras, parteiras e videntes, mulheres
“suspeitas” de serem Suas seguidoras e os animais a Ela
associados (cachorros e gatos pretos, corujas). No intuito de
abolir qualquer resquício do Seu poder, Hécate foi
caricaturada pela tradição patriarcal como uma bruxa
perigosa e hostil, à espreita nas encruzilhadas nas noites
escuras, buscando e caçando almas perdidas e viajantes com
sua matilha de cães pretos, levando-os para o escuro reino das
sombras vampirizadoras e castigando os homens com
pesadelos, poluções noturnas e perda da virilidade. As
imagens horrendas e chocantes são projeções dos medos
inconscientes masculinos perante os poderes “escuros” da
Deusa, padroeira da independência feminina, defensora
contra as violências e opressões das mulheres e regente dos
seus rituais de proteção, transformação, autodefesa e
afirmação.
Os treze aspectos de Hécate
1. Chtonia, a anciã senhora do mundo subterrâneo
2. Cratais, a poderosa
3. Enodia, a guardiã dos caminhos e viagens
5. Kourotrophos, a guardiã dos nascimentos e das
crianças
6. Phosphoros, a detentora da tocha que ilumina
7. Propolos, a guia e companheira que conduz
8. Propylaia, a protetora das portas e entradas
9. Prothiraia, a parteira e protetora dos partos
10. Prytania, a rainha dos mortos
11. Soteira, a salvadora e redentora
12. Trivia ou Trioditis, a senhora das
encruzilhadas
13. Trimorphis, a deusa tríplice, com três formas
Hécate Triformis como “Senhora da magia” confere
o conhecimento dos encantamentos, palavras de poder,
poções, rituais e adivinhações àqueles que A cultuam. No
aspecto de Antea, a “Guardiã dos sonhos e das visões”,
tanto pode enviar visões proféticas, quanto alucinações e
pesadelos, se as brechas individuais permitirem. Como
Prytania, a “Rainha dos mortos”, Hécate é a condutora das
almas e sua guardiã durante a passagem entre os mundos,
mas Ela também rege os poderes de regeneração, sendo
invocada no desencarne e nos nascimentos como
Protyraia, para garantir proteção e segurança no
parto, vida longa, saúde e boa sorte. Hécate
Kourotrophos cuida das crianças durante a vida
intrauterina e no seu nascimento, assim como
fazia sua antecessora egípcia, a parteira divina
Hequit. Possuidora de uma aura fosforescente
que brilhava na escuridão do mundo
subterrâneo, Hécate Phosphoros é a guardiã do
inconsciente e guia das almas na transição,
enquanto as duas tochas de Hécate Propolos,
apontadas para o céu e a terra, iluminam a busca
da transformação espiritual e o renascimento,
orientado por Soteira, a "Salvadora". O seu
aspecto Chtonia é da deusa anciã, detentora de
sabedoria, padroeira do inverno, da velhice e das
profundezas da terra. Hécate Trivia e Trioditis,
protetoras dos viajantes e guardiãs das
encruzilhadas de três caminhos, recebiam dos
Seus adeptos pedidos de proteção e as oferendas
chamadas “ceias de Hécate”. Propylaia era reverenciada
como guardiã das casas, portas, famílias e bens pelas
mulheres, que oravam na frente do altar antes de sair de
casa, pedindo sua benção. As imagens antigas colocadas
nas encruzilhadas ou na porta das casas representavam
Hécate Triformis ou Tricephalus como um pilar ou estátua
com três cabeças e seis braços que seguravam suas
insígnias: tocha (para iluminar o caminho), chave (abria os
mistérios), corda (conduzia as almas e reproduzia o cordão
umbilical do nascimento), foice (para cortar ilusões e
medos).
No atual renascimento das antigas tradições da
Deusa, compete aos círculos sagrados femininos resgatar
as verdades milenares, descartando e desmascarando
imagens e falsas lendas, que apenas encobrem o arcaico
medo patriarcal perante a força mágica e o poder ancestral
feminino e que podia levar as mulheres a desenvolver um
sentido de independência perante o masculino. A
civilização patriarcal incutiu um medo secular nas
mulheres perante a figura distorcida de Hécate, vista como
uma bruxa terrível, malévola e perigosa. Mas, se
resgatarmos as suas qualidades e atributos antigos,
encontraremos nela uma gentil guardiã e compassiva mestra. Ela
está presente em todas as encruzilhadas tríplices que existem em
todos os níveis do nosso ser representados como espírito, mente e
corpo. Devemos reconhecer que a imagem tenebrosa e
ameaçadora de Hécate é um mero registro do medo inconsciente
do feminino que os homens, imersos e programados por conceitos
e valores patriarcais unilaterais, projetaram ao longo de milênios
neste arquétipo.
Temos que mergulhar no lado sombrio do nosso inconsciente,
compreendê-lo e aceitá-lo integrando-o na nossa psique. Pois, se
o evitarmos, criaremos ou reforçaremos a dualidade polarizada
em opostos e energias antagônicas e continuaremos perpetuando
a visão dualista do mundo. Devemos descobrir e nos relacionar
com a nossa Hécate interior, como a Guardiã da nossa
consciência, do nosso lado sombrio e, ao estabelecer uma relação
com ela, confiar na sua proteção, ajuda e orientação. Somente
assim permitiremos uma melhor percepção das riquezas e
possibilidades do nosso mundo inferior pessoal, nos tornando
seres integrados, capazes de lidar com as nossas polaridades,
sem projetar de imediatos conceitos dualistas do “bem” e “mal”
nos eventos e nas pessoas.
Atualmente podemos nos relacionar com
Hécate sem preconceito ou medo, honrando-a como
Guardiã do nosso inconsciente, que tem nas mãos a
chave dos reinos sombrios existentes em nós e que traz
a tocha para iluminar as profundezas do nosso ser
interior. Em função das nossas próprias memórias de
repressão e dos medos impregnados no inconsciente
coletivo, o contato com a Deusa Escura pode ser
atemorizador por acessar a programação negativa que
associa escuridão com mal, perigo, morte. Para
resgatar as qualidades regeneradoras, fortalecedoras e
curadoras de Hécate precisamos reconhecer que as
imagens destorcidas não são reais, nem verdadeiras,
que nos foram incutidas pela proibição de mergulhar
no nosso inconsciente, descobrir e usar nosso
verdadeiro poder.
A conexão com Hécate representa para nós um
valioso e poderoso meio para acessar a intuição e o
conhecimento inato, desvendar e curar nossos
processos psíquicos, aceitar a passagem inexorável do tempo e
transmutar nossos medos perante o envelhecimento e a morte.
Hécate nos ensina que o caminho que leva à visão sagrada e que
inspira a renovação passa pela escuridão, o desapego e
transmutação. Ela detém a chave que abre a porta dos mistérios e
do lado oculto da psique; Sua tocha ilumina tanto as riquezas,
quanto os terrores do inconsciente, que precisam ser
reconhecidos e transmutados. Ela nos conduz pelas armadilhas
da escuridão e nos revela o caminho da renovação e salvação.
Porém, para receber Seus dons visionários, criativos ou
proféticos, precisamos mergulhar nas profundezas do nosso
mundo interior, encarar o reflexo da Deusa Escura dentro de nós,
honrando Seu poder e Lhe entregando a guarda do nosso
inconsciente.
Ao reconhecermos e integrarmos Sua presença em nós,
Ela irá nos guiar nos processos psicológicos e espirituais e no
eterno ciclo de morte e renovação. Porém, devemos sacrificar ou
deixar morrer o velho, encarar e superar medos e limitações;
somente assim poderemos flutuar sobre as escuras e revoltas
águas dos nossos conflitos e lembranças dolorosas e emergir
livres e leves para um novo ciclo.
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